27 setembro, 2011

Beijos

Por Luís Fernando Verissimo

Queria ser um homem moderno, mas tinha alguma dificuldade com o protocolo. Por exemplo: não sabia quem beijava. Quando via aproximar-se uma conhecida do casal, perguntava para a mulher, apreensivo, com o canto da boca: “Essa eu beijo? Essa eu beijo?”. Nunca se lembrava.
Para simplificar, passou a beijar todas. Conhecidas ou não. Quando lhe apresentavam uma mulher, em vez de apertar sua mão, beijava-a. Dois beijos, um em cada face.
– Muito (muá) prazer (muá).
Outro problema era a quantidade de beijos. Já tinha dominado os dois beijos, estava confortável com dois beijos, quando a moda passou a ser três. Um dia, a mulher comentou:
– Não sabia que você era tão amigo da Fulana (o nome verdadeiro não é este).
– Beijo todas.
– Quantas vezes?
– Quem está contando?
Às vezes, ele partia para o terceiro beijo e a beijada não esperava. Ou então esperava e ele não dava, e quando ele voltava ela já recuara. Não havia nada mais constrangedor do que oferecer a face para o terceiro beijo (ou o quarto, quando a moda passou a ser esta) e o beijo não vir. Ficar, por assim dizer, com a cara no ar enquanto a mulher se afastava, rezando para que ninguém tivesse notado. O problema da vida, pensava ele, é que a vida não é coreografada.
Aí os homens começaram a se beijar também. Tudo bem. Seu lema passou a ser: se me beijarem, eu beijo. Mas não tomava a iniciativa. Quando chegavam numa reunião, fazia um rápido levantamento dos presentes. Essa eu beijo duas vezes, essa três, esse me beija, esse não me beija, aquele já está me beijando quatro vezes...
Na outra noite, numa
recepção de casamento, a mulher comentou:
– Você enlouqueceu?
– Me descontrolei, pronto.
– Você beijou todo o mundo.
– Todo o mundo estava beijando todo o mundo.
– Mas beijo na boca?
– Foi só um.
– Mas logo o padre?!
Tomado por uma espécie de frenesi, depois de beijar uma fileira de conhecidos e desconhecidos, ele dobrara o padre pela cintura e o beijara longamente, como no cinema antigo.

17 setembro, 2011

Coração vira-lata

Quem um dia observou um cão vira-lata, certamente se impressionou com a esperteza desse ser.

Essa semana presenciei uma matilha de vira-latas caminhando em uma avenida muito movimentada. Comentei com meu pai "esses cães não morrem fácil, eles são muito espertos". Alguns poucos minutos quase infartei ao ver um deles tentar atravessar a rua e quase ser atropelado. Claro que ele conseguiu passar, ao que meu pai comenta "eles não morrem fácil".

O objeto de comparação é o cão mimadinho, de raça. Esses, apesar da beleza, nem sempre são tão espertos. Por que? Porque eles não precisam se preocupar em atravessar ruas e quando, eventualmente, eles escapam de suas casas, o destino nem sempre é feliz.

Penso que o coração seja assim também. Passamos anos escondidos dentro de casa, com amor paternal e a esperança de um príncipe encantado. Um dia escapamos das grades, conhecemos aquele guri que nem precisa ser lindo, mas é simpático e POOM! somos atropelados. Sem mais nem menos ficamos estatelados no chão sem nem saber o que passou por cima de nós.

Aos poucos, passamos a viver mais na rua, viramos vira-latas, mais espertos. Não nos apaixonamos mais por qualquer sorriso.

Mas um dia isso muda. Talvez conseguiremos atravessar a rua movimentada em segurança e ficar do lado bom para sempre. Deixamos de morar nas ruas para pertencer a um lar, com amor.

Só o que não podemos esquecer é que vira-latas não morrem fácil, mas eles também são atropelados. E olha que eles são tão espertos...

16 setembro, 2011

Roteiro "Rei dos programas"

Esse é um roteiro que realizamos na aula de redação para rádio. Aprecie! =)


REI DOS PROGRAMAS
Produtoras: Carolina Borges, Maytê Pires, Natália Scholz e Tainara Fraga


TEC: Roda característica 15” e corta

LOC: /Está no ar o REI DOS PROGRAMAS, o programa criativo e irreverente da rádio Unisinos.//

TEC: Roda cortina notícias 5” e vai a BG

LOC:/ Roberto Carlos apresentou ontem em Jerusalém um show nada inédito./O show contou com a tradicional canção JESUS CRISTO, pouco clichê para o local onde estava./ Também levou os milhares de fãs à loucura ao distribuir as rosas, o momento mais esperado do evento./ Resta-nos a questão:/ (?) esse show substituirá o especial de natal da Rede Globo de Televisão?/ Fiquemos na expectativa.//

LOC:/ Mande sua opinião para o nosso twitter @reidosprogramasoficial.//

LOC:/ Pré-adolescentes enlouquecidas aguardam na fila para o show do Justin Bieber. /Direto do Gigantinho, repórter Luciana Silva.//

TEC: RODA BOLETIM REPÓRTER

REPÓRTER: / A fila é imensa. As fãs não poupam esforços: montaram até suas casinhas de boneca para aguardar o tão esperado show do grande ídolo teen./ Os preços dos ingressos exigem compreensão por parte dos pais./ Joaninha Machado, treze anos, está na fila há três dias e seus pais a acompanham.//

TEC: RODA GRAVAÇÃO FALA DE PAI (“ É um evento grandioso. Não deixaria minha filhinha perder isso por nada. Até pedi férias para realizar esse sonho”.)

REPÓRTER: /Para a rádio Unisinos, repórter Luciana Silva.//

LOC: /Fim de semana de muita bola!/ O emocionante não-clássico Caxias versus Lajeadense ocorrerá amanhã, às 15 horas, no estádio Centenário pela Copinha./ Caxias não está preocupado e resolveu poupar os titulares./ Atualmente, o time está concentrado em subir para a série B.//

LOC: /Voltamos já.//

TEC: RODA CARACTERÍSTICA 15” VAI BG E CORTA

LOC:/ O 7 de setembro mostrou que a juventude brasileira finalmente acordou para a corrupção que assola o país./ Os jovens saíram da frente dos computadores por um momento./ Em Brasília, 25 mil pessoas foram às ruas em um protesto pacífico e sem conotação partidária./ O evento foi organizado através das redes sociais, meio que os jovens dominam.//

LOC: / Agora termina o REI DOS PROGRAMAS, um programa diferente, interativo, sem papas na língua./ Voltamos amanhã às 10 horas da noite.//

TEC: RODA CARACTERÍSTICA 15” BG E CORTA.

09 setembro, 2011

Inocência

Chame do que quiser. Ignorância ou inocência, mas eu me encanto em ver que, de um dia para o outro, uma flor vira uma fruta. Minha mente não comporta essa transformação. Para mim, é mágico. É divino.

Como que, em questão de horas, o que era uma florzinha vira algo tão completo e saboroso? Aliás, como as flores são formadas? Não peço uma aula de biologia. Pois isso já ouvi e, nem mesmo assim, meu olhar mudou. Minha fascinação por esse mistério continua inalterada.

Eu gosto de sentir isso, como uma criança que está descobrindo o mundo. Com os anos, nos tornamos secos, desacreditados de tudo. Políticos? Pff, todos ladrões! O ensino? Tá perdido! O que dizer da natureza? Nem adianta não poluir, está tudo acabado mesmo.

Por que a gente fica assim? Por que não mantemos a inocência de crianças e fazemos algo para mudar? Por que não investimos e simplesmente desistimos?

Crianças são subestimadas. Para mim, elas que salvam o mundo da loucura total. A sabedoria direto da flor da inocência. Claro, não estou pedindo para vivermos em uma bolha, inertes às atrocidades, às corrupções. E nem que adultos virem crianças.

Peço só que abram os olhos, que se encantem com a flor que vira fruta. (E não me falem de biologia, pelo amor!)

08 setembro, 2011

Aquele que cativas, Martha Medeiros

Li esse texto e ele não saiu da minha cabeça. Vale a leitura:


Devia ter uns 14 anos. Estava na sala de aula, olhar compenetrado no quadro-negro, quando de mão em mão chegou até mim um bilhete de uma colega que costumava ser esnobada pela turma e com quem conversara algumas poucas vezes na hora do recreio. Ela me convidava para ir a sua casa à tarde. E concluía com uma sentença: És eternamente responsável por aquele que cativas.

Eu não tinha a menor intimidade com aquela colega e não estava a fim de ir a sua casa. Mas ela havia recorrido a Saint Exupéry. Me impressionou.

Fui à casa dela, conversamos, emprestei uns cadernos, mas nunca ficamos íntimas e nunca mais ouvi falar da garota. Hoje deve ser uma ótima advogada, já que desde menina conhecia as manhas para se convencer alguém.

O que ficou daquela tarde foi o argumento. “És responsável por aquele que cativas.” Acabei rezando por essa cartilha por um longo tempo. Bastava a pessoa simpatizar comigo e eu me sentia na obrigação de ser atenciosa a ponto de fazer coisas que não queria. Até que um dia dei um basta nesse trelelé.

Com todo o respeito ao autor de O Pequeno Príncipe, a terceira obra mais publicada e traduzida no mundo, presença constante nas listas dos mais vendidos mesmo 68 anos depois de ter sido lançado, me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata e envaidecida, mas responsável é um tantinho demais.

A frase, que não deixa de ser um bonito verso, ganhou ares de reprimenda e punição. Cuidado: se alguém gostar muito de você, se passar a depender de você, danou-se, será obrigatório adotá-lo. O que era pra ser espontâneo virou um dever.

Reconheço as melhores intenções do livro, que é belo e merece continuar sendo lido por muitas gerações. Mas a frase, quando usada como ameaça, cria um mal-estar entre cativantes e cativados. Será mesmo que você é responsável por quem se encantou por você?
Sei que há pessoas de má-fé que seduzem os outros por diversão e depois desaparecem, deixando o seduzido chorando abraçado às suas ilusões. Maldade. Não se deve brincar com os sentimentos de ninguém, aprendemos isso antes mesmo de aprender a ler. Mas nos casos em que a sedução se deu de forma não proposital, ninguém deve sentir-se amarrado.

E mesmo quando houve sedução intencional e essa foi retribuída, virando um relacionamento, quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância. Quem fica deve aprender a fazer o mesmo. Não é fácil ser rejeitado, mas transferir a responsabilidade do seu bem-estar para outra pessoa tampouco é uma atitude cativante.

Nada pessoal, pequeno príncipe. Apenas um contra-argumento.

Jornal Zero Hora, 14 de agosto de 2011