08 setembro, 2011

Aquele que cativas, Martha Medeiros

Li esse texto e ele não saiu da minha cabeça. Vale a leitura:


Devia ter uns 14 anos. Estava na sala de aula, olhar compenetrado no quadro-negro, quando de mão em mão chegou até mim um bilhete de uma colega que costumava ser esnobada pela turma e com quem conversara algumas poucas vezes na hora do recreio. Ela me convidava para ir a sua casa à tarde. E concluía com uma sentença: És eternamente responsável por aquele que cativas.

Eu não tinha a menor intimidade com aquela colega e não estava a fim de ir a sua casa. Mas ela havia recorrido a Saint Exupéry. Me impressionou.

Fui à casa dela, conversamos, emprestei uns cadernos, mas nunca ficamos íntimas e nunca mais ouvi falar da garota. Hoje deve ser uma ótima advogada, já que desde menina conhecia as manhas para se convencer alguém.

O que ficou daquela tarde foi o argumento. “És responsável por aquele que cativas.” Acabei rezando por essa cartilha por um longo tempo. Bastava a pessoa simpatizar comigo e eu me sentia na obrigação de ser atenciosa a ponto de fazer coisas que não queria. Até que um dia dei um basta nesse trelelé.

Com todo o respeito ao autor de O Pequeno Príncipe, a terceira obra mais publicada e traduzida no mundo, presença constante nas listas dos mais vendidos mesmo 68 anos depois de ter sido lançado, me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata e envaidecida, mas responsável é um tantinho demais.

A frase, que não deixa de ser um bonito verso, ganhou ares de reprimenda e punição. Cuidado: se alguém gostar muito de você, se passar a depender de você, danou-se, será obrigatório adotá-lo. O que era pra ser espontâneo virou um dever.

Reconheço as melhores intenções do livro, que é belo e merece continuar sendo lido por muitas gerações. Mas a frase, quando usada como ameaça, cria um mal-estar entre cativantes e cativados. Será mesmo que você é responsável por quem se encantou por você?
Sei que há pessoas de má-fé que seduzem os outros por diversão e depois desaparecem, deixando o seduzido chorando abraçado às suas ilusões. Maldade. Não se deve brincar com os sentimentos de ninguém, aprendemos isso antes mesmo de aprender a ler. Mas nos casos em que a sedução se deu de forma não proposital, ninguém deve sentir-se amarrado.

E mesmo quando houve sedução intencional e essa foi retribuída, virando um relacionamento, quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância. Quem fica deve aprender a fazer o mesmo. Não é fácil ser rejeitado, mas transferir a responsabilidade do seu bem-estar para outra pessoa tampouco é uma atitude cativante.

Nada pessoal, pequeno príncipe. Apenas um contra-argumento.

Jornal Zero Hora, 14 de agosto de 2011

2 comentários:

Pastor Diego Neumann disse...

Bahh... legal esse texto da Marta...
Como diz está sempre na ultima página da revista das Servas: "Eu nem havia pensado nisso"... hehehehe
Coitados dos Famosos... que cativam milhões de pessoas através de novelas, músicas, filmes ou seriados.
Imagina se eles fossem responsáveis pelos milhões de fãs que os seguem.
Assim também vale pra nossa vida.. eu por exemplo: tem pessoas que gostam de meu jeito aki em Santa maria, pessoas que cativei, porém ano que vem estarei voltando pro Seminário. É praticamente impossível continuar amigo de todas essas pessoas. Sabe-se lá quando as verei novamente...
Obrigado pela postagem... ainda estou refletindo. hehehehe
Bjuss.. f c Deus.

Natália Scholz disse...

É verdade! Isso acontece onde quer que a gente vá. E o importante mesmo é não tomar como obrigação manter essas relações. Óbvio, a gente tenta, pq não somos indiferentes, mas nem sempre dá. Realmente, esse texto proporciona uma bela reflexão. =)
Beijos